terça-feira, 15 de setembro de 2015

[Exploring Morocco] the Madness of Marrakech

A partir do momento em que atravessamos a porta principal da medina de Marraquexe achei que não sairíamos de lá inteiros. Ao contrário da medina de Fez, aqui o trânsito motorizado é permitido. Sem fazer a mínima ideia para onde ir, paramos na primeira esquina. Rapidamente fomos abordados por um jovem com os braços repletos de cicatrizes - tal como a maioria dos jovens de rua com a mesma idade que habitam na medina - que nos perguntou qual a riad que estávamos à procura. A experiência adquirida na medina de Fez levou-nos logo a dizer que aceitávamos ajuda mas não iríamos pagar pela mesma. E tal como em Fez, o jovem responde "Não quero dinheiro, basta-me um agradecimento de coração". Gira o disco e toca o mesmo! Alertamos o rapaz que já conhecíamos a conversa e, um bocado contrariado, apontou para uma rua estreita à nossa esquerda. A viagem de 500 metros que nos separava da Riad Losra foi tão emocionante que, se filmada, poderia facilmente fazer parte de um filme de James Bond. Muito brevemente, o objetivo era chegar à riad inteiros e, de preferência, sem riscos na moto. Para isto bastava, numa rua com não mais de 3 metros de largura e com dois sentidos, desviarmo-nos das barracas de comércio, das pessoas, das lambretas, dos burros, das galinhas e, finalmente, dos gatos. Sem a ajuda de sinais de trânsito ou sinais de luzes, o único instrumento útil era mesmo a buzina. Achei que o meu coraçãozinho não ia aguentar.  



O dono da Riad Losra estava à porta à nossa espera. Muito atenciosamente, serviu-nos chá de menta com bolinhos tradicionais enquanto preenchíamos a papelada. Mas quando lhe pedimos para guardar a moto na garagem (a expressão "estacionamento privado" constava na reserva) o simpático senhor explicou que o estacionamento não pertencia à riad. Quando chegamos ao suposto estacionamento privado descobrimos que afinal o estacionamento era o que chamaríamos em Portugal de um ferro velho. Encostaram a moto a um canto, enfiaram-lhe um cobertor poeirento em cima e o Sr. Losra deu ao vigia 20 dirhams. Olhou para a minha cara de escandalizada, deu um sorrisinho amarelo mas envergonhado e disse: "This is how we do in Morocco"; eu respondo "Humm. I can see that". Esquecendo este episódio, o Sr. Losra foi um amor durante toda a nossa estadia. 



Passaram-se dois dias em Marraquexe por entre barraquinhas de especiarias, sabonetes, lenços e bugigangas. O calor era intenso e a meio da tarde decidimos descansar num terraço com vista para a praça Djemaa el-Fna, o ex libris da cidade. Aproveitei para escrever alguns postais para amigos e tirar umas fotos. Para quem, naquela tarde, observa o movimento da praça, jamais imagina a transformação que ocorre após o pôr do sol. As barracas, até então vazias, enchem-se de comerciantes e os encantadores de serpentes aparecem. Contam-se histórias e fazem-se jogos. E para quem pensa que a praça é exclusivamente uma atracção turística, desengane-se, pois circulam maioritariamente cidadãos marroquinos.


Na última noite decidimos sair da medina, muralhada na sua totalidade por paredes de dois metros de espessura. Pode-se dizer que a passagem pela porta é uma travessia para o mundo ocidental. Se há poucos minutos atrás tínhamos visto dois meninos sujos a apontar com os pequenos dedinhos para um carrinho, que em Portugal não custaria mais que 1€, exposto numa vitrine de vidro encardida pela poluição. Do lado de lá da muralha passeavam-se jovens pouco mais velhos em frente à vitrine da Armani Jeans. Foi a primeira cidade que nos ofereceu este contraste, que descobrimos ser crescente ao longo de toda a costa marroquina.

Na manhã seguinte, despedimo-nos das panquecas e do sumo de laranja do Sr. Losra e do Sr. Losra e seguimos viagem de retorno a Portugal. Felizmente, pelo ferro velho a mota manteve-se intacta!




segunda-feira, 14 de setembro de 2015

[Exploring Morocco] ATLAS: the people and landscapes

Se houve local que considerei integralmente genuíno em Marrocos foram as aldeias em torno da grande cordilheira do Alto Atlas. Na sua maioria são aldeias de barro, organizadas em Kasbahs - construções típicas de origem berbere, quadradas e com aspecto de forte, que no seu conjunto são chamadas de Ksar. Tive a felicidade de ver, mas não de fotografar, um menino a ajudar o pai a fabricar tijolos de abobe, feitos de argila misturada com água e palha, secos ao sol, que são posteriormente utilizados nestas construções. Habitualmente encontramo-las no sopé da montanha, à beira do rio, agora secos com o calor do verão.




A primeira atracção do percurso pelo Atlas foram as Gargantas do Todra, no vale que detêm o mesmo nome. No entanto, as Gargantas nunca chegaram a ser atracção, pelo menos para mim. Não quando as paisagens que antecederam foram tão arrebatadoras que tornaram aquela passagem estreita entre montanhas de 150 m de altura um tanto insignificante. É o rio Todra, que serpenteia pelas Gargantas, que dá vida ao vale. É ele que alimenta o imenso palmeiral que ali conseguiu crescer naquela terra árida e avermelhada, que camufla os imensos Kasbahs que constituem a cidade de Tinghir.



Mais adiante entramos no oásis fértil do vale do Dadès. Era dia de entrega de gás. À porta de cada casa encontravam-se duas ou três botijas de gás e uma criança entusiasmada, à espera de dar o sinal de alarme assim que avistasse o camião do gás. O camião vinha ao estilo marroquino, atulhado de garrafas cheias de gás, prontas para rebolar ao virar de uma curva mais apertada. Mais abaixo, junto ao rio, mães e filhas ceifavam o trigo para dentro de cestas de vime que seriam posteriormente carregadas pelo burro pela encosta acima. Já uma senhora com os seus 70 anos, com a cara queimada pelo sol e as costas vergadas até à cintura, trazia ela própria o cesto de vime. A julgar pelas costas, carregou aquele cesto a vida toda.




Mais a sul, já a caminho de Marraquexe, avistamos o Ksar mais famoso de Marrocos, hoje em dia habitado por apenas 12 famílias. Paramos a moto pouco acima de Ait-Ben-Haddou, junto a um dromedário que ali descansava. Ficamos a contemplar a aldeia, assim como a paisagem vermelho-ocre que a enquadrava, durante tempo indeterminado. Agora penso, não admira que tenha sido escolhida para rodar filmes como o Gladiador e Babel. Hoje é considerada Património Mundial da UNESCO.




domingo, 13 de setembro de 2015

[Exploring Morocco] golden Sahara

A viagem para o deserto foi exaustiva. Debaixo de um calor intenso, a desidratação era um desfecho demasiado previsível.  Sob vento, calor e paisagens desérticas, demorarmos 10 h para chegar a Merzouga. Lá para o meio da viagem surgiram as primeiras montanhas do grande Atlas e, até ao pôr do sol, as paisagens foram tão arrebatadoras que nos permitiram recarregar baterias. Lá chegados, noite escura, deparamo-nos com 8 km de estrada de terra e areia que nos separava do albergue do Sud, situado em plenas dunas do Sahara. Não tenho ideia de quanto tempo demoramos a fazer aquele caminho mas parecia não ter mais fim. Felizmente, assim que chegamos, aqueceram-nos o jantar e de seguida fomos dormir.



Acordamos no paraíso! Já tínhamos esquecido a turbulenta viagem do dia anterior e aproveitamos para dar uns mergulhos na piscina, de onde podíamos apreciar a magnifica paisagem do Sahara.




Uma hora antes do pôr do sol, com 3 litros de água cada um e preparados para acampar em pleno deserto, subimos no dromedário e seguimos em direcção ao acampamento na companhia de um simpático berbere local. Ao pôr do sol, demos descanso aos dromedários e sentamo-nos nas dunas de Erg-Chebbi para contemplar o momento. À chegada ao acampamento, ofereceram-nos o habitual e irrecusável chá de menta e aproveitamos para conversar um pouco e dar uns toques nos bongos marroquinos assim como algumas tentativas falhadas de tocar qraqeb (castanholas de metal). Nessa noite deitamo-nos com a promessa de que acordaríamos às 6 h para subir os 100 metros da grande duna de Erg-Chebbi antes que o sol brilhasse por de trás das montanhas que separam Marrocos da Argélia. 






Embora as minhas pernas não tenham permitido a chegada ao cume, os 70 ou 80 metros de altura foram suficientes para desfrutar um magnifico nascer do sol que dourou todo o Sahara até onde os meus olhos puderam alcançar. Um momento único que valeu cada ossinho que insistiu em doer após a viagem de volta de dromedário até ao albergue.



quinta-feira, 10 de setembro de 2015

[Exploring Morocco] the labyrinthine City of Fez

Ainda não tínhamos entrado na cidade velha e já fomos abordados em andamento por dois Mohameds e, cada um a seu tempo, "Portugueses?" "Tienen alojamiento?" "Ven conmigo. Te llevaré a un buen riad." Riads são habitações particulares convertidas em aconchegantes alojamentos turísticos. 
Depois de alojados, fomos jantar. Passamos a porta da medina de Fez el-Bali e, como o Ruben costuma dizer, começou o texas. Embrenhamo-nos numa feira onde se pode encontrar o ordinário e o impensável. É difícil de descrever por palavras, ou fotografias, a vida dentro da medina. Os gatos passeiam-se em frentes às montras de carne como se os cordeiros ali pendurados fossem cair a qualquer momento. As galinhas mantêm-se em fila para serem ali mesmo depenadas e vendidas logo de seguida. Os galos soltos exibem-se em frente ao que chamaríamos de restaurantes. Como no filme do Aladin, vendem-se "tâmaras e figos, tâmaras e pistaches". Assim como variadissímas especiarias das quais os comerciantes só sabem o nome em árabe. Há balcões de venda de ovos, azeitonas de todas as variedades, docinhos de mel de todas as formas, pimentos de todas as espécies. As crianças, com t-shirts da liga espanhola ou inglesa, andam numa correria, umas atrás das outras e passam o tempo a jogar ao pião. O movimento só pára para deixar passar os burros com mantas coloridas que lhes acolchoam o dorso, carregadinhos até já não poder passar pelos tetos mais baixos da medina.  






Embora a medina seja um labirinto, as personagens são sempre as mesmas. Bastou-nos 2 dias e tínhamos um conhecido em cada esquina. A grande contribuidora foi a barba do Ruben, que passou a ser chamado de Ali Baba. Na 1ª noite levaram-nos à casa do Ramza, um simpático miúdo marroquino cuja família terá convertido o terraço num restaurante. Nessa noite o Ramza serviu-nos tajines e jantamos com uma vista privilegiada sobre os curtumes e a mesquita Karaouine. Nessa mesma noite um rapaz com aspecto duvidoso enganou-nos a sair da medina; no dia seguinte, abordou-nos para pedir desculpa (mas já com os seus 2 dirhams no bolso, ou então, convertidos em haxe)!!
O dia seguinte estava reservado para passear pela medina e visitar os curtumes. Nesse dia andamos 19 km a pé, e penso que não valerá a pena dizer que em ~80% do tempo andamos perdidos. Depois de muita resistência da nossa parte, lá aceitamos a ajuda de dois rapazes que insistiam em dizer que o GPS na medina de nada nos servia (e com razão!!). Fomos atrás deles por quelhos manhosos em direcção aos curtumes. Entramos pela arrecadação de uma loja e subimos 2 ou 3 andares de escadas até chegar ao terraço onde se avistavam os curtumes. Embora a meio gás, uma vez que era 6ªf, dia de descanso, lá estavam meia dúzia de marroquinos, cada um no seu tanque colorido e mal cheiroso, a tingir as peles. Ficamos a saber que o tingimento amarelo é o mais caro pois usa açafrão e que existe uma certa rivalidade com os curtumes de Marraquexe, já que os primeiros acham que são, de longe, melhores artesãos que os segundos.






Penso que teremos ficado sentados naquele terraço a falar com os rapazes e a tomar chá de menta (ou whisky marroquino, como eles lhe chamam) por mais de 1 h. O que fumava haxe sonhava em ir para a Alemanha trabalhar, o estudante de língua espanhola queria ficar em Marrocos, ser guia oficial e casar. Uma coisa é certa, ambos partilhavam as nossas preocupações em relação ao futuro!! Já na hora de ir embora ficamos a saber que eles poderiam ir passar uma noite à cadeia se fossem apanhados a servir de guias, aqui chamados de falsos guias. Muito discretamente, metemos-lhes 15 dirhams na mão e agradecemos-lhes pelo chá e por aquela tarde bem passada.



quinta-feira, 3 de setembro de 2015

[Exploring Morocco] the Blues of Chefchaouen

Recordo com carinho a última vez que pisei solo árabe africano, há alguns anos atrás. Duas parecenças imediatas: a caoticidade do trânsito e o amor à bandeira nacional.  
Depois de aprendermos todo um novo conceito de ultrapassagens em estradas nacionais lá chegamos a Chefchaouen. Não só é a cidade azul, mas também a cidade dos gatos e dos Mohameds. O Mohamed andou atrás de nós sensivelmente meia hora até receber o pagamento que ele considerava adequado para o seu serviço de guia, transportador de bagagem e vigia nocturno da moto. Infelizmente para nós, só notas se adequavam! Quando nos livramos do Mohamed, fomos almoçar num restaurante tradicional e pacato. Aí apareceram os gatos, "outros Mohameds" diz o Ruben. Escanzelados e remelentos ficaram a encarar o meu cordeiro até desaparecer do prato. No final da refeição já eram 7 os "Mohameds".





O resto da tarde passou a correr, entre subidas e descidas em ruelas azuis (turquesa, violeta, celeste, marinho e todas as outras tonalidades que as mulheres têm tendência a dar nome), entre festas a gatos, fotografias e Mohameds com o seu discurso habitual "Italianos?!" "No, Portugueses." "Ahh, queres queres, não queres, não queres!!". Rimo-nos e prosseguimos caminho.

Hoje cedo, quando abri o porta do quarto, saltou um gato felpudo para dentro. Com alguma relutância, lá saiu do quarto e ainda permitiu que lhe tirasse uma foto de perfil. Minutos mais tarde, já de saída, um gatinho raquítico com não mais de dois meses saltou para o capacete pousado no chão. A vontade era traze-lo; mas lá ficou e nós seguimos rumo a Meknès.